Talvez o que muitos não saibam, tanto leigos quanto advogados nacionais, é que tais contratos por serem celebrados em inglês, ensejam complexas consequências, que transbordam à mera questão linguística, a merecer atenção redobrada dos contratantes ante os riscos neles contidos.
É que o uso de instrumentos elaborados por advogados de língua inglesa (geralmente contratos-tipos) abrangem peculiaridades de seu sistema legal (common law) cujos princípios, conceitos e valores diferenciam-se dos contratos regulados em países como o Brasil, onde vigora a civil law, na qual há a prevalência do que está disposto em lei formal. E mais: os contratos em inglês tem desde a negociação até a sua celebração, por parte das empresas estrangeiras, com a presença de advogados com expertisepara tal, pelo que procuram dar garantias jurídicas e de jurisdição a seus clientes.
Assim, a consultoria contratual internacional não se faz através do mero conhecimento da língua inglesa ou da mera expertise do advogado na legislação nacional onde o contratante esteja sediado. Também não se cuida de analisar o contrato por sua tradução literal, ante conceitos jurídicos e interpretação na common law serem distintos do sistema da civil law.
Exemplificando os riscos envolvidos por conceitos expressos em inglês, temos que a boa-fé no direito contratual brasileiro tem efeitos muito diferentes da boa-fé no direito contratual americano. Os termos em inglês podem remeter a uma jurisdição de um dos estados americanos, envolvendo questões transversas não previstas no contrato. Ainda, as boilerplates, cláusulas funcionais para interpretação e administração de sua execução, habituais nos contratos internacionais estruturados na língua inglesa (muitas delas questionáveis na legislação brasileira) tem extrema relevância e importância interpretativa para os julgadores e/ou árbitros sujeitos à common Law que venham a ter jurisdição para solucionar conflitos do contrato ou para os contratantes de língua não-inglesa que podem se sujeitar a jurisdição estrangeira. Neste sentido, as boilerplates devem ter análise de risco contratual por quem saiba como são utilizadas no sistema internacional e como a jurisdição internacional às interpreta.
Essa noção de que o contrato internacional deva ser analisado sob a perspectiva de quem esteja familiarizado com o Direito Internacional e que tenha a expertise ou networking para analisá-los, inclusive para antever outros riscos nele envolvidos, é fundamental, não só porque muitos desses contratos tem jurisdição (local onde será julgado) e lei aplicável de um Estado-juiz estrangeiro ou organismo estrangeiro (arbitragem), mas também porque existe a possibilidade de mais de um juiz em países distintos se considerar competente para decidir sobre o contrato, situação em que haveria um conflito de jurisdição.
A importante mensagem a ser repassada é que os contratos em inglês, pela estrutura de quem os concebeu e os utiliza, não implica apenas em utilização da língua estrangeira que mais se usa nas relações comerciais internacionais; na medida em que tem um efeito jurídico relevante e contexto bem mais complexo, que a imaginação de um advogado brasileiro acostumado apenas com contratos internos no Brasil possa ter.
Antonio Carlos Bernardes Filho,
Advogado.
Mestre em Direito Internacional Comercial pela Universidade da Califórnia-EUA.
Especialista em negociação contratual, coletiva e internacional.
Participante do Programa de Negociação da Harvard Law School-EUA
MBA em Comércio Exterior pela Fundação Getúlio Vargas.